sexta-feira, 8 de abril de 2011

A Odontologia no Brasil

Para contar essa história, vamos remontar o século XVI, quando o Brasil foi descoberto, e quando as capitanias hereditárias desenhavam nosso mapa.



Tudo indica que os primeiros relatos datam mesmo do século XVI, quando a odontologia era restrita às extrações para lá de doloridas, técnicas traumáticas e os instrumentos tão rudimentares e inadequados que davam medo só de olhar, anestesia então, nem pensar, não existia e demoraria muito até que essa criação fantástica chegasse até os consultórios...

Naquela época era comum “amarrar na cadeira” os braços dos pacientes que seriam submetidos a uma extração dentária. A esterilização dos instrumentos eram precariamente realizadas, passando a ponta dos instrumentos sobre a chama de uma lamparina. Também se fazia atendimento fora do consultório.


A medicação pós extração era feita através de ervas medicinais, fornecidas ao paciente. Normalmente o dentista possuía em seu consultório, vários vasos com diferentes tipos de ervas para esse fim, ao qual removia algumas folhas, que eram dadas ao paciente, para utilização em forma de chá ou como enxaguatório.


Como todos sabem, nosso querido Brasil foi descoberto no dia 22 de abril de 1.500, e apesar de ser uma época muito pobre de tecnologia, as pessoas já tinham dor de dente, e para ser sincera, muitos morriam das patologias odontológicas mais simples, porque não tinham um profissional que cuidasse delas. Porém, essas complicações tão sérias e mortais da época fizeram nascer uma profissão que nunca julguei tão antiga, quanto descobri ser...


Como a palavra "Dentista" não existia, a profissão também não, eram os "Médicos", de início, que cuidavam das dores e acometimentos da boca, porém as extrações desde então já criavam muitos problemas quanto a hemorragias e complicações pós cirúrgicas para aqueles que a executassem; poucos eram os corajosos que encaravam uma extração.

Uma profissão surgiu então no meio de muita polêmica: o "Cirurgião Barbeiro"ou "Sangrador"; a mesma pessoa que cortava cabelos e aparava barbas, era também o responsável por extrair dentes e necessitava ser forte, rápido, impassível e impiedoso.


Os médicos e cirurgiões, diante de tanta crueldade, evitavam tal tarefa, alegando os riscos para o paciente, como a possibilidade de morte provocada por hemorragias e inevitáveis infecções. Argumentavam que as mãos do profissional poderiam ficar pesadas e sem condições para intervenções delicadas. Os barbeiros e sangradores eram geralmente ignorantes e tinham um baixo conceito, aprendendo esta atividade com alguém mais experiente.

Para exercer a odontologia da época os barbeiros ou sangradores, mais tarde chamados de "tiradentes", necessitavam da licença especial conferida pelo "cirurgião-mor". Quem não possuía essa licença poderia ser preso e multado. A reforma do regimento em 12 de dezembro de 1631 determinava a multa de dois mil réis às pessoas que "tirassem dentes" sem licença. Os ofícios de tiradentes e sangradores eram acumulados pelos barbeiros. O sangrador também podia tirar dentes, mas nos exames de habilitação tinham de provar que durante dois anos "sangraram" e fizeram as demais atividades de barbeiro, quando aprovados, teriam suas cartas expedidas e licenças concedidas.


Nas últimas décadas deste século, Joaquim José da Silva Xavier, praticou a Odontologia que aprendera com seu padrinho, Sebastião Ferreira Leitão. 


Seu confessor, Frei Raymundo de Pennaforte disse sobre ele: “Tirava com efeito dentes com a mais sutil ligeireza e ornava a boca de novos dentes, feitos por ele mesmo, que pareciam naturais”.

Nesse período os dentes eram extraídos com as chaves de Garangeot, alavancas rudimentares, e o pelicano. Não se fazia tratamento de canais e as obturações eram de chumbo, sobre tecido cariado e polpas afetadas, com consequências desastrosas.


No final do século XVIII, mais precisamente em 23 de maio de 1800, cria-se o "plano de exames", um aperfeiçoamento das formalidades e dos exames; é encontrado pela primeira vez em documentos do Reino, o vocábulo "dentista".


O Proto-Medicato era uma junta perpétua, a qual cabia fiscalizar o exercício de qualquer atividade ligada à "arte de curar", em que os práticos eram geralmente pardos, analfabetos e à profissão não estava ligada a qualquer prestígio social. Salles Cunha cita "José de Souza, escravo de D. Anna da Encarnação e outros da Bahia. Cita ainda José Dutra, homem preto forro" e mais outros sete escravos no Rio de Janeiro. Em 1811, eram quase 80 registrados.

Por volta de 1830, os sangradores e barbeiros ainda acumulavam a "arte de tirar dentes". Para avaliar o significado e conceito de "barbeiro" temos na quarta edição do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Edmundo de Faria, publicado no Rio de Janeiro em 1859: Barbeiro:s.m. – o que faz barba: (antigo) "sangrador", cirurgião pouco instruído que sangrava, deitava ventosas, sarjas, punha cáusticos e fazia operações cirúrgicas pouco importantes. Na obra "Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil" o artista francês Jean Baptiste Debret retrata cenas de negros barbeiros realizando atendimentos, sendo que a placa da "loja de barbeiros" incluía a função de dentista, embora o autor comente que "muito menos ocupado como dentista, o barbeiro, nessa qualidade, só tem como clientes indivíduos de sua cor, ..."



Alguns cirurgiões também tiravam "carta de sangria" e indiscutivelmente o povo era beneficiado. Nesta época o mestre Domingos, barbeiro popular no bairro da Saúde, Rio de Janeiro, se tornou famoso. O negro mestiço exercia sua atividade também na casa de clientes. Sob o braço levava uma esteira de tábua, que servia de cadeira e uma enferrujada chave de Garangeot. Dado a manobras intempestivas, algumas vezes extraía também o dente vizinho, mas cobrava apenas um. Às crianças, sugeriu que o dente extraído fosse jogado no telhado, dizendo antes e por três vezes: "Mourão, toma teu dente podre e dá cá o meu são".
Havia um crioulo muito habilidoso que esculpia dentaduras em osso e as vendia na porta das igrejas, após as missas de domingo. Era só escolher, não só a mais bonita, como também a que se adaptava o melhor possível na boca.


Em 1820, o Doutor Picanço concedeu ao francês Doutor Eugênio Frederico Guertin a "carta" para exercer sua profissão no Rio de Janeiro. Era diplomado pela Faculdade de Odontologia de Paris e aqui atingiu elevado conceito, atendendo a maior parte da nobreza, inclusive D. Pedro II e familiares. Publicou em 1819, "Avisos Tendentes à Conservação dos Dentes e sua Substituição", ao que tudo indica, a primeira obra de odontologia feita no Brasil.

As primeiras dentaduras datam do século XIX e eram constituídas de duas fileiras de dentes, esculpidas em marfim ou adaptadas em base metálica, sendo as arcadas ligadas por molas elásticas. Em 01 de junho de 1824, Gregório Raphael Silva, do Rio de Janeiro, recebeu a primeira "carta de dentista" após a Independência do Brasil.












Desde tempos remotos os "pacientes" tinham o direito de escolher o material que seria usado em sua "dentadura", podendo também definir o preço do trabalho que lhe seria prestado:

Dentes artificiais de cavalo marinho ou marfim.............4000 réis
Natural.......................................................................12000 réis
Incorruptível (porcelana)............................................24000 réis

No dia 30 de agosto de 1828, D Pedro I suprime o cargo de cirurgião-mór, cujas funções passaram a ser exercidas pelas Câmaras Municipais e Justiças Ordinárias. Mais ou menos nesta época, graças ao francês Jean-Baptiste Debret que viveu no Brasil de 1816 a 1831, reproduzindo em gravura a vida brasileira durante o Primeiro Império, Há uma única obra iconográfica do século passado relacionada à atividade de profissionais que exercita a Odontologia. Denomina-se "Boutiques de Barbieri" e retrata dizeres: "barbeiro, cabeleireiro, sangrador, dentista e aplicador de ventosas".


Em 1839, é criada por Chaplin A. Harris, em Baltimore, Estados Unidos, a primeira Escola de Odontologia do mundo: Colégio de Cirurgia Dentária.


Uma outra grande reforma do ensino, datada em 19 de abril de 1879, definia que "a cada uma das faculdades de medicina ficariam anexos uma escola de farmácia, um curso de obstetrícia e outro de cirurgia dentária". Assim surgia um curso para aqueles que se dedicassem à "Arte Dentária". Em 4 de julho de 1879, a Decisão do Império nº 10 estabelecia que aos aprovados no curso de cirurgia dentária, seria atribuído o título de Cirurgião Dentista. Ao mesmo tempo, ainda havia o privilégio de "Cirurgião Dentista da Casa Imperial" título este concedido apenas aos nascidos em famílias de alta projeção social, era uma concessão do Imperador muito restrita, geralmente aos formados no exterior. Num levantamento nos "Livros da Mordomia Mór da Casa Imperial", entre 1840 e 1889, observou-se que apenas 32 profissionais foram agraciados com tal privilégio por D. Pedro II.


O ensino de Odontologia foi oficialmente instituído no Brasil em 25 de outubro de 1884, pelo Decreto nº 9311 do Governo Imperial, graças a Visconde de Sabóia, diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. De início o ensino foi vinculado às Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, programado em três séries. Ao final do curso, o aluno recebia o título de Cirurgião Dentista, sem colar grau ou outras formalidades.


Um dentista português, Luiz Antunes de Carvalho, obteve notoriedade e riqueza, sendo um dos pioneiros na cirurgia buco-maxilar no Brasil. Em 18 de janeiro de 1832 havia obtido em Buenos Aires o direito de exercer a profissão. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1836, sendo o primeiro dentista a registrar sua "carta" na secretaria da Câmara Municipal. Ficou famoso na Argentina pela propaganda em forma de versos e depois em prosa. Já se fazia marketing. No Brasil foi mais comedido, mas demonstrando sempre ser profissional conhecedor e atualizado, publicou no Almanak Administrativo Mercantil e Comercial: "Luiz Antunes de Carvalho enxerta outros dentes nas raízes dos podres, firma dentes e dentaduras inteiras, firma queixos, céus da boca, narizes artificiais e cura moléstias da boca, rua Larga de São Joaquim,125". Foi aprovado também na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e o primeiro a se registrar na Junta de Higiene, criada em 1850, em substituição à fiscalização exercida pela Câmara Municipal. A partir de 1840 começaram chegar dentistas dos Estados Unidos e pouco a pouco substituíram os colegas franceses. Luiz Burdell foi o pioneiro, seguindo-se Clintin Van Tuyl, o primeiro a utilizar clorofórmio(só em casos especiais) para anestesia, conforme cita em seu livro: "Guia dos Dentes Sãos" publicado em 1849.


O Doutor Whittemore, que se tornou mais tarde o dentista da Corte Imperial, se gabava de que, em 1850 teria recebido "uma porção de clorofórmio puro para tirar dentes sem dor".


Em 1850, pelo decreto lei 598 é criada a Junta de Higiene Pública, que possibilitou a Medicina uma enorme evolução, principalmente pelas medidas saneadoras. Os três primeiros dentistas que se registraram: Luiz Antunes Carvalho (1852), Emilio Salvador Ascagne (1859) e Theotônio Borges Diniz (1860). Mentes mais lúcidas procuravam a melhoria do ensino e normas um pouco mais criteriosas e moralizadoras àqueles que desejassem praticar o Medicina e Odontologia.


Através do decreto de 15 de agosto de 1851, os novos estatutos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro foram aprovados em 28 de abril de 1854, por proposta de seu diretor, Doutor José Martins de Cruz Jobim. A nomeação contribuiu para o desenvolvimento da profissão, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo. Em setembro de 1869, graças a João Borges Diniz, surge a primeira revista odontológica: "Arte Dentária".


Com os Estados Unidos liderando a evolução técnica e científica mundial, era compreensível que muitos brasileiros para lá se dirigissem a fim de aperfeiçoar as "técnicas odontológicas". O primeiro foi Carlos Alonso Hastings, natural do Rio Grande, que estudou no Philadélfia Dental College, radicou-se no Rio de Janeiro e modificou o motor Weber-Ferry, que ficou conhecido como motor de Hastings. A seguir viajaram Fio Alves, Também do Rio Grande, os irmãos Gastal, de Pelotas, Francisco Pereira, Alberto Lopes de Oliveira (Universidade de Maryland) e outros.

O decreto nº 8024 de 12 de março de 1881, art. 94 do Regulamento para os exames das Faculdades de Medicina diz: “Os cirurgiões-dentistas que quiserem se habilitar para o exercício de sua profissão passarão por duas séries de exames: - O primeiro de anatomia, histologia e higiene, em suas aplicações à arte dentária”. O outro de operações e próteses dentárias. Ante os fatos narrados, faltava apenas um líder e visionários para instituir o ensino da Odontologia no Brasil.


E assim nasceu, cresceu e evoluiu nossa Odontologia, hoje considerada a melhor do mundo, graças ao nosso famoso "jeitinho brasileiro", que de certa forma da solução para quase tudo.

3 comentários:

  1. Sou barbeiro e gosto muito dessas histórias antigas q relata como funcionava a unidade entre a profissão barbeiro e dentista

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    1. Que bacana! Fica a vontade! Tem muita coisa legal chegando... Estamos nos organizando...

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